sábado, 11 de julho de 2009

"I'm a people person" - Gay Talese

Em palestra realizada no Masp,o jornalista relata bastidores de reportagens, critica a imprensa atual e comenta sua aversão às novas tecnologias



Ele não tem celular, não usa internet e e-mail e é conhecido por vestir-se sempre de forma impecável. E foi dessa maneira que o jornalista Gay Talese, considerado um dos criadores do ‘jornalismo literário’ e/ou ‘novo jornalismo’, surgiu para conversar com uma platéia ansiosa, em uma das salas do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na última terça-feira, dia 7 de julho.

Os sortudos que conseguiram entrar (inclusive eu) aguardavam para o encontro gratuito, marcado às 19h30, com o jornalista mundialmente aclamado. Mesmo assim, antes das 18 horas, o vão do Masp já se encontrava apinhado de pessoas que esperavam a distribuição de 200 ingressos para os primeiros da fila. Logo que cheguei, uma moça informou: “Não querendo desanimar, mas provavelmente vocês não vão conseguir entrar. Só até ali [a moça apontou o meio da fila] já existem mais de 100 pessoas”. Ainda assim, não desanimei. E com razão: o auditório do Masp foi lotado por mais de 200 pessoas, sendo que uma pequena parte do excedente teve o privilégio de receber um ingresso.

Com o ingresso na mão, faltava arrumar um lugar para sentar, ou melhor, para assistir ao discurso do jornalista. Todas as cadeiras estavam ocupadas e o jeito foi sentar-me na lateral esquerda da entrada. A todos os ouvintes, foram entregues fones para acompanhar a tradução simultânea do discurso do norte-americano. Inicialmente, coloquei o fone, mas insatisfeita com a sobreposição de discursos de Gay Talese e da tradutora, resolvi escutar a palestra sem a ferramenta. Boa decisão.

Seria inútil tentar reproduzir aqui citações literais de Gay Talese, já que eu não anotei e não posso me arriscar a cometer impropriedades. Ainda assim, algumas frases e os assuntos discutidos na ocasião permanecem na minha lembrança. Acredito que dentre todas as palavras que o jornalista disse, as que mais me marcaram foram: “Eu sou uma pessoa do povo”. Nessa sentença, Talese resumiu sua essência, tão óbvia em suas reportagens em profundidade, característica fundamental para o exercício do jornalismo.

Com a atenção aguçada, a platéia – em sua maioria, estudantes e profissionais do jornalismo – ouvia Gay Talese relatar bastidores de reportagens, criticar o jornalismo contemporâneo (segundo ele, “muito próximo do poder” e “pouco cético”) e narrar sobre a origem de sua curiosidade em relação ao mundo. Talese desenvolveu sua observação na infância quando ajudava o pai alfaiate na loja da família. As experiências vivenciadas na época forneceram ao jornalista uma sensibilidade extrema em relação ao mundo.

A princípio, o jornalista começou como “copy boy”, aos 21 anos, no jornal norte-americano The New York Times. Um dia, Talese entrou em um prédio no qual existiam letreiros com manchetes de jornal e impressionou-se com o que viu. No terceiro andar do edifício, o copy boy encontrou um homem que tinha na mão um aparelho “parecido com um acordeon” e observou o homem por alguns minutos. “O que o senhor está fazendo?”, questionou o jovem. “Estou criando as palavras que vão lá fora”, foi a resposta à pergunta. Decidido, Gay Talese entrevistou o trabalhador que afirmou que sua história não era de interesse de ninguém e que o garoto não era repórter. “Eu sou copy boy e no futuro vou ser repórter”, respondeu o jovem, que desconhecia a importância de sua iniciativa para a carreira jornalística.

Sobre esse assunto, Talese conta para a platéia que está sempre à procura de personagens anônimos e interessantes, mas que muitas vezes passam despercebidos. Uma vez, por exemplo, o jornalista observou uma longa fila de pessoas e, curioso, descobriu que se tratava de uma liquidação da marca Diesel: as calças estavam sendo vendidas a ‘apenas’ 200 dólares (metade do preço habitual de custo). Talese ainda brincou e disse “Isso é uma liquidação?”, o que lhe levou a escrever uma matéria sobre o fenômeno.

Como já havia participado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Talese imaginava que uma das questões do público seria sobre a queda do diploma de jornalismo no Brasil. Por isso, o jornalista antecipou-se e foi claro; Talese não acredita que qualquer faculdade ou curso de jornalismo possam fornecer os artifícios fundamentais ao repórter: a curiosidade, a habilidade de se aproximar das pessoas fazendo perguntas a elas e conseguindo com que elas respondam a um estranho. Muitas vezes, isso pode ser uma tarefa difícil, especialmente quando o tema trabalhado é um tanto polêmico, espinhoso. Para escrever seu livro A mulher do próximo, análise da revolução sexual ocorrida nas décadas de 60 e 70, Gay Talese aproximou-se gradativamente dos personagens retratados na obra, visitando suas famílias e fazendo parte de suas rotinas.

O autor, aliás, é um profissional romântico praticamente em extinção. Ao realizar entrevistas, Gay Talese desacredita na utilização de gravadores e anotações, pois o entrevistado se sentiria inibido e desconfortável. O jornalista, a exemplo de Truman Capote (outro grande expoente do novo jornalismo), vale-se, sobretudo, de sua capacidade de observação e de sua memória. Assim, o tempo que seria usado para realizar anotações, é empregado para notar características físicas e comportamentais do entrevistado, detalhes do ambiente, entre outras nuances.

Adicionalmente, o autor afirmou também ser uma pessoa um tanto “antiquada”, já que dispensa o uso de aparelhos celulares e e-mails. Questionado sobre a superficialidade encontrada nas matérias da imprensa atual em decorrência do tempo escasso, Talese foi categórico: “Jornalista tem que fugir do laptop”. Segundo ele, a tecnologia é contraditória em si mesma: ao mesmo tempo em que facilitou a vida das pessoas, também as deixou mais acomodadas, situação que não pode ocorrer no jornalismo.
Mesmo assim, Talese é otimista: “Acredito que ainda há espaço para a reportagem de boa qualidade”.

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